Objetivos
Analisar
a importância e a produção cultural da Companhia Cinematográfica Vera Cruz ao
longo dos anos de seu funcionamento, fazendo um levantamento histórico do
local, partindo dos motivos de sua criação, analisando os feitos e curta
história do espaço, e analisando os acontecimentos e motivos que levaram a sua
decadência. Além disso, observar as contribuições da companhia para o cinema
nacional, por exemplo, as produções premiadas em festivais internacionais, as
mudanças dos conceitos nas produções cinematográficas brasileiras, como por
exemplo, a profissionalização das produções, isto é, a grande preocupação com a
qualidade técnica dos filmes, o ideal da companhia que objetivava a produção
“em escala industrial” de filmes nacionais e valorização da cultura brasileira,
notável nas produções cinematográficas.
Dentro desse
contexto, analisar o funcionamento da companhia durante seu auge, de 1949 até a
metade do ano de 1953, observando as mudanças físicas do espaço e de uso
durante o tempo, por exemplo, o uso do mesmo para exposições. Nesse ponto foi
constatada uma grande transformação no local, que se encontra fisicamente
degradado e esquecido nos dias atuais.
Justificativa
Os estúdios,
que pertenciam a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, se encontram atualmente
em uma espécie de abandono. Além disso, sua história apresenta várias
controvérsias e lacunas. Nesse sentido, temos uma boa oportunidade de fazer uma
compilação de dados para analisarmos de forma mais adequada os pontos
intrigantes da história da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, seja pela
análise do espaço que existe até hoje, seja pela análise de seu acervo. Com isso valorizar a importância do mesmo
para a identidade e cultura de São Bernardo.
Metodologia
Faremos uma cronologia dos acontecimentos marcantes que influenciaram o
funcionamento da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e dos seus estúdios ainda
existentes, dividindo entre décadas.
Dentro disso, observar as modificações
do espaço (como sua estrutura e aspectos físicos foram se transformando
durante o tempo), e também os aspectos
produtivos (produção cinematográfica e outras formas de uso do espaço)
além dos interesses envolvidos
(prefeitura, especulação imobiliária, bancos, entre outros). Dentro dessa
temática será feita a relação dos pontos já supracitados com a identidade e a
cultura da cidade de São Bernardo do Campo, que será capturada através de entrevistas realizadas com moradores
da cidade e consulta ao acervo do MIS
com depoimentos de pessoas que fizeram parte da historia da VC.
Acontecimentos mais marcantes por década
-40
A Companhia Cinematográfica Vera Cruz foi fundada 1949
por Franco Zampari e Ciccilo Matarazzo em uma antiga granja em São Bernardo do
Campo. A Companhia foi a terceira a ser fundada no território brasileiro, porém
foi responsável por elevar o nível de produção técnico e profissional do cinema
nacional. Zampari aproveitou a vinda de
Ernesto Cavalcanti (em 1848) para o Brasil para lhe mostrar suas ideias. Sendo
assim, 1949 Cavalcanti retorna da Europa com técnicos e equipamentos para criar
um centro artístico em São Paulo.
-50
O Brasil ainda não apresentava leis de
proteção ao cinema nessa época (ao contrário de outros países) e não existia
uma boa distribuidora para os filmes nacionais. Esses foram os primeiros
problemas da Vera Cruz, além de produções com altos custos e baixos retornos.
Já em agosto de 1953 a Companhia apresentou a sua primeira paralisação.
Por ter feito uma reviravolta no
ambiente artístico de sua época a Companhia passou a ser vista como um
patrimônio nacional (mas, havia várias críticas aos artistas que ganhavam
salários mesmos não estando trabalhando). A Vera Cruz conseguiu sensibilizar o
governo do estado e ganhou amparo para retornar as suas atividades em 1954.
Todavia, esse investimento continuou insuficiente, Café Filho em 1955 fez
investimentos através do Banco do Brasil, mas ainda continuava ser escasso para
as necessidades dos estúdios, por isso a companhia passou a depender de
financiamentos específicos e aluguel dos equipamentos para produtores
independentes.
-60
Em 1963 a VC voltou a filmar em
regime de coprodução e durante muitos anos os seus estúdios foram utilizados
pela TV Escelsior (Canal 9). Os estúdios da novela Redenção deram origem a
Cidade da Criança, por falta de pagamento dos alugueis o Canal 9 foi despejado
do local.
No final da década de 60 tentaram
esquemas de coprodução internacional tentando um autorregulamento, mas em 67 o
Banco do Estado de São Paulo embargou judicialmente o local, impossibilitando o
acesso ao estúdio e, por um período, os estúdios foram utilizados como
almoxarifado do Banco do Estado. No ano seguinte o patrimônio imobiliário foi
vendido, acima do valor do mercado, para o grupo internacional Mackenzie Hill e
a empresa alugou os galpões para a Ford, como depósito de materiais.
-70-
Em 71 a Ford teve que deixar o local para a
demolição. Sendo que nesta mesma década houve tentativa de criar uma faculdade
de comunicação no local para aproveitar as vantagens da estrutura local,
entretanto não houve apoio público. Em 1971, uma parte do terreno (onde
especificamente ficavam as salas de corte, alojamento e salas de projeção)
começou a construção em ritmo acelerados do Centro Educacional Jardim do Mar no
qual o prefeito de São Bernardo divulgava a implantação de diversos cursos de
nível médio. Nesse mesmo período, o grupo Mackenzie Hill propunha a construção
de um shopping Center no local.
-80
Na década de 80 há novas tentativas
de vender o espaço, o prefeito Aron Galantie dizia que a VC era um ônus
insuportável para o município, dando muitos gastos e apresentando a hipoteca ao
banco Banespa. Há uma disputa política entre o prefeito de SBC, o governador do
estado de São Paulo e o banco Banespa. A
partir de 1987, iniciam-se propostas mais efetivas na tentativa de tombamento
dos estúdios, contudo há várias complicações para o tombamento de um patrimônio
particular, além do interesse da especulação imobiliária pelo espaço, já que se
localiza em uma região privilegiada (tido com nobre e central).
Mesmo com vários questionamentos a
VC entra em processo de tombamento, mesmo com o veto do prefeito, ocorreu a
aprovação de 2/3 dos vereadores de SBC. Em agosto de 1987 há uma tentativa de
implantação do projeto de memória para os estúdios, seria um trabalho em
conjunto com a Secretaria de Estado da Cultura, Museu da Imagem e do Som e do
grupo Fenício (este como responsável pelo financiamento do projeto).
O diretor Ivan Isola teria se
formado na Itália e retornado ao Brasil entre a década de 70/80, sendo que
dirigiu o MIS, sendo que o projeto Nova Vera Cruz foi coordenado por ele. O
grande impulso foi a doação de um imenso acervo da VC por Willian Cure (detentor
dos direitos), foram mais de 10 mil negativos, fotos de cena, documentação da
obra dos estúdios... Um material imenso que se encontrava em um estado avançado
de deterioração, sendo envolveria um
processo multimídia, o que seria a ``cara`` do MIS. Porém relata todos os
problemas financeiros (um deles seria a alta inflação e a burocracia pública
para a aquisição de bons matérias para a revitalização) para uma boa execução
do projeto (os originais dos filmes tiveram que ser readaptados para cópias
mais baratas, por exemplo), assim como os patrocinadores ( a Eletropaulo) não
quiseram expandir a divulgação do projeto para outros lugares do país.
-90
As notícias sobre os estúdios voltam
a tona em 1999 com o Projeto Nova Vera Cruz, mas ainda se encontra travado. O projeto, que é uma aliança entre a Secretaria de Estado
da Cultura, a Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), a Prefeitura de São
Bernardo do Campo e iniciativa privada tem como objetivo recuperar a memória e
o acervo (fílmico e iconográfico) dos estúdios, e também realizar pesquisar e
estudos, produzir livros e documentários. A segunda parte deste documentário
prevê a revitalização dos estúdios para que ele possa voltar a produzir cinema
em escala mundial.
Fazer algo no local dos estúdios
seria algo ideal, como defende Vanessa Guimarães Macedo (2005, p. 30):
``Um projeto
como o Nova Vera Cruz poderia ser implantado em qualquer lugar, mas as instalações
de São Bernardo do Campo foram escolhidas,
primeiro, porque os estúdios estão entre os maiores do mundo, mesmo hoje
em dia. Segundo por se tratar de um espaço simbólico, que representou um
momento importante da tentativa de industrialização do cinema nacional no
Brasil.
De acordo com Isola,
existe uma carga simbólica, uma história de grandes experiências. A VC criou
novos gêneros, como o do caipira Mazzaropi interpretando Jeca Tatu. Foi lá
também, que foi feito o primeiro filme de cangaço.``
-Atualmente
O
projeto Nova Vera Cruz estaria nas mãos da prefeitura de SBC, todavia há muitos
desencontros de informações. Porém, há reclamações pela falta de apoio da
categoria dos cineastas, estes prefeririam o apoio público para a produção de
cinema do que o investimento na revitalização do espaço, assim como houve um
desinteresse das empresas em investir no projeto.
Identidade e Cultura & Vera Cruz
A identidade para Gilberto Giménez (2009)
estaria relacionada com a ideia que temos de nós mesmos, assim como a ideia que
temos de quem são os outros ao nosso redor; quais seriam nossas semelhanças e
nossas diferenças. `` A identidade social deve ser entendida como a forma pela
qual os indivíduos se percebem dentro da sociedade em que vivem e pela qual
percebem os outros em relação a eles próprios``(BRADLEY apud TILIO, 2009,p.
110) Sendo que o que diferenciaria as pessoas em grupos diversos seria a
cultura, `` nuestras pertenencias sociales, y el conjunto de rasgos culturales
particularizantes que nos definem como indivíduos únicos, singulares e
irreptibles`` (GIMÉNEZ,2009, p. 11).
O sujeito construiria a sua identidade ao
interagir com a sociedade ao seu redor, sendo que os homens modernos não
apresentariam identidades fixas ou totalmente permanentes; sua identidade seria
``formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam`` (HALL
apud TILIO, 2009,p. 111). O mundo globalizado de hoje forneceria uma
``modernidade líquida`` com ``identidades fluídas`` (BAUMAN;2004). Além disso,
a identidade não seria algo dado a priori,
a identidade seria construída em interações sociais, ou seja, a identidade como
uma construção social (TILIO, 2009,p. 112).
Haveria
uma diferenciação entre identidades particulares e identidades coletivas.
Aquela seria um processo mais subjetivo de diferenciação dos outros sujeitos,
enquanto a identidade coletiva seria pontos de ação em comum de um grupo, podendo
ser suscetível a adesões coletivas (incorporação de um conjunto de determinados
rituais, práticas...) e apresentando uma história e uma memória que conferem
certa estabilidades para a autodefinição identitária como grupo. Fora que, a
identidade coletiva tem grande influência nas identidades particulares, fazem
parte das peculiaridades que determinado o reflexo da identidade particular (GIMÉNEZ,2009).
A
memória para Durkheim (apud GIMÉNEZ,2009, p. 21) seria um trabalho sobre o
passado, ``un trabajo de selección, de reconstrucción y, as veces, de
transfiguración o de idealización ``. A memória coletiva seria um conjunto de
representações produzidas pelos membros de um grupo, um tipo de memória
compartilhada. A memória individual seria irredutível a memória coletiva, todo
indivíduo perceberia e expressaria pelo viés cultural que o envolve. Além disso,
a memória coletiva deve ser reativada de maneira incessante, para que não seja
esquecida e mantenha a coesão ou identificação do próprio grupo (GIMÉNEZ,2009).
Pierre
Nora (1993) diz que a memória seria fluída (não seria algo contínuo), mágica
(envolvendo coisas que não são totalmente factuais, relacionando-se com seu
imaginário coletivo) e afetiva (nossa memória estaria entrelaçada com nossos
sentimentos, com as emoções que envolvem o indivíduo). A memória envolveria
muitas questões subjetivas do indivíduo.
Nora
descreve que atualmente há a necessidades de lugares para a memória :
`` salvos de uma memória na qual não mais
habitamos, semi-oficiais e institucionais, semi-afetivos e sentimentais;
lugares de unanimidade sem unamismo que não exprimem mais nem convicção
militante nem participação apaixonada, mas ainda palpita ainda algo de uma vida
simbólica. Oscilação do memorial ao histórico, de um mundo onde tinham
ancestrais a um mundo da relação da contingente com aquilo que nos engendrou ...``
(PIERRE NORA,1993, p.14)
O
passado estaria se tornando cada vez mais residual, haveria um processo de
desenraizamento (aceleramento do tempo, alargamento do espaço, fragmentação
identitária, múltiplas referências ...). Nora (1993, p.8) diz que:
Se habitássemos ainda nossa
memória, não teríamos necessidade de lhe consagrar lugares. (...) Cada gesto,
até o mais cotidiano, seria vivido como uma repetição religiosa daquilo que
sempre se fez, numa identificação carnal do ato e do sentido.
Teríamos
a necessidade de criar locais de memória porque não existiria mais memória,
precisaríamos criar espaços para relembrar o passado que não faz mais parte de
nossas vidas. Nosso objeto os Estúdios Vera Cruz poderia ser descrito com as
observações de Nora, vemos um grande prédio e uma grande coleção de filmagens e
produção que não apresentam grande ligação com a nossa sociedade atual, porem
lá ainda habita muita vida cultural e simbólica. Seus filmes são um retrato da
cultura brasileira das décadas passadas. O atual esquecimento em que sua
produção cultural e seu espaço físico se encontram são um reflexo da falta de
reativação da sua memória. De maneira geral, vemos isso cotidianamente no
Brasil, temos uma grande desvalorização ao nosso passado e uma falta de reais
identidades coletivas (referencias simbólicos compartilhados). Temos o mau
costume de subjulgar nossa própria cultura, o cinema brasileiro é um dos
grandes exemplos disso. Fora que, parece ser de senso comum que cinema nacional
é sinônimo de filmes ruins, o que na verdade não acontece.
Pelo documentário Neblina Sobre Trilhos vemos como
nosso patrimônio histórico é muitas vezes deixado totalmente a mercê do ``esquecimento``
(não a há verdadeira transmissão da importância dele, assim como o Estado é
totalmente displicente com relação a ele). Pela nossa experiência de campo
(inúmeras tentativas de contatar os supostos administradores da VC), vimos que
se encontra numa espécie de limbo (vemos que está lá, mas quem realmente toma
conta é uma incógnita, há um jogo de transpasse de responsabilidade entre as
entidades públicas). Vemos uma mega estrutura que é tombada pelo patrimônio
histórico ser utilizadas para eventos para arrecadação de recursos, porém que
isso seria totalmente o oposto do que deveria estar sendo criado lá dentro. O
objetivo de tomar um patrimônio é preservar aquilo que o local representa
fisicamente e culturalmente.
Conclusão
Geral do Grupo
Por tudo que expomos, podemos ver a importância
dos estúdios Estúdios Vera Cruz; seu acervo e o próprio local fazem parte de um
tempo cultural diferenciado, tem todo um contexto peculiar. Infelizmente, atualmente
há uma grande desvalorização do que lá um dia já foi produzido, fora o grande
descaso por parte dos setores públicos.
Há a necessidade
de criar ``um espaço de memória`` (Nora, 1993) para reavivarmos um passado
cultural que não habita a memória das gerações mais recentes. Além de
encararmos uma espécie de padrão de desvalorização do antigo (especialmente
quando esse antigo retrata algo produzido por nos mesmos/ brasileiros).
Acreditamos que
nós, os brasileiros, temos grandes preconceitos em aceitar que apresentamos
laços em comum. Temos sempre o ideal de valorizar o de fora e desprezar o que
produzimos, chegamos a reafirmar um comportamento advindo dos tempos de
colonização.
Por isso
defendemos que nosso passado, nossa memória coletiva, deve ser reativada de
maneira incessante. Ela não deve ser esquecida, devemos tentar criar uma
identificação, tentando criar laços que consideramos importantes para não
sermos meros estranhos, mas uma ``comunidade`` que apresenta pontos referencias
em comum.
ótima relação com a disciplina. O que acrescentaria seria a questão de se elaborar políticas públicas da memória (no caso a memória fílmica, da indústria do cinema brasileiro). Não é que temos "costume" de não se lembrar, é que não é dada a visibilidade suficiente.
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